|
|
 |
Ano 5 Fevereiro 2005 |
 |
Pesquisa no campo 1 Estudos estimulam a inovação na casa rural

| Os trabalhos têm o objetivo de construir casas de baixo custo e de qualidade para famílias que moram em áreas rurais |
|
Quarenta e nove famílias do assentamento rural da Fazenda Pirituba, no município de Itapeva, em São Paulo, estão participando de pesquisas sobre o uso de novos sistemas e componentes construtivos. A implantação de uma marcenaria coletiva, onde são usados rejeitos de madeira, madeira de terceira e de reflorestamento, além da produção de blocos de terra crua, são algumas das estratégias adotadas para gerar moradias de baixo custo e de qualidade no campo. Os estudos vêm sendo realizados com o apoio de projetos complementares, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Caixa Econômica Federal e Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare/Finep).
|
| As atividades são ao mesmo tempo experiências de assessoria, de extensão e de pesquisa, executadas por professores e estudantes. Os projetos contam com o suporte de trabalhos de iniciação científica, mestrado e doutorado, na maioria ligados ao Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade (Habis), da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Participam ainda integrantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP de Piracicaba; da Incubadora Regional de Cooperativas Populares (INCoop), ligada à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); da Faculdade de Engenharia de Bauru, ligada à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da organização não-governamental Usina, de São Paulo. Mais recentemente as atividades contam também com a participação da Coordenação Regional Itapeva, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Entre os pontos destacados na justificativa dos projetos aprovados pelos órgãos financiadores está o fato de que a maioria dos estudos sobre alternativas de produção da habitação social está direcionada à construção de casas na cidade. No entanto, no Brasil o déficit de moradias em áreas rurais está em torno de 1,2 milhões de unidades, segundo dados de 2002 da Fundação João Pinheiro, entidade do Governo de Minas Gerais.
|
| Desafios

| Apesar da resistência das famílias, os blocos de terra crua são indicados como material que pode gerar moradias de qualidade, sintonizadas com as idéias da habitação sustentável |
|
De acordo com a coordenadora dos trabalhos, professora Akemi Ino, integrante do Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade (Habis/USP), um dos principais desafios para a equipe acadêmica é construir casas de baixo custo, de qualidade, com uma área maior do que a dos programas habitacionais tradicionais e do gosto do morador. Para os pesquisadores, a adoção de materiais alternativos (como a madeira, em ´painéis-sanduíche de vedação`, e os tijolos de terra crua), são possibilidades de redução do custo e de melhoria das moradias - além de estarem relacionados às idéias da habitação sustentável. Mas, para famílias assentadas, como as da Fazenda Pirituba, estes materiais são associados à precariedade e pobreza. Apesar das diferenças, estão sendo construídas casas de dois ou três dormitórios, com 65 e 75 metros quadrados, com custo médio de R$ 6.500,00, em diferentes tecnologias. Além do suporte das equipes de pesquisa, as famílias contam também com financiamento não reembolsável via Caixa Econômica Federal, através do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), lançado pelo Ministério das Cidades e complementado com financiamento do Incra. Para o grupo de pesquisa, os trabalhos estão possibilitando avaliações sobre a implementação de inovações na produção de casas em escala, em assentamentos rurais, com enfoque em três aspectos: processo, gestão e produto.
|
| Processo e gestão

| A análise da participação das famílias assentadas nas decisões é um dos enfoques dos estudos |
|
Com relação ao processo, as pesquisas estão voltadas a questões como a análise da participação das famílias assentadas nas decisões. Além de estarem construindo as casas em sistema de mutirão, os moradores da Fazenda Pirituba discutiram e escolheram o projeto e os materiais usados. Em reuniões, aos poucos o ´Grupão` (como ficou conhecido o conjunto das famílias participantes) foi dividido em sete grupos, de acordo com o tipo de material de construção, localização do lote e laços como parentesco, vizinhança e tipo de trabalho. Um regimento interno foi elaborado para ajudar na organização. A participação dos moradores nas decisões revelou uma série de conflitos. Essa experiência está documentada e analisada em trabalhos como o artigo ´Questões, conflitos e potencialidades do diálogo entre moradores e arquitetos sobre materiais construtivos sustentáveis para habitação`.
|
| Renda
Em relação ao processo também está sendo priorizada a geração de fontes de renda e a capacitação dos moradores. Uma marcenaria coletiva foi implantada junto à comunidade e nela são produzidos os componentes para cobertura, portas e janelas. Serão feitos também móveis, como camas, mesas, cadeiras e armários. A marcenaria oferece uma oportunidade para a profissionalização em atividades qualificadas e também uma experiência de gestão do empreendimento pelas famílias. A expectativa é de que, após a finalização do mutirão, a marcenaria continue como um empreendimento gerenciado pelos assentados. Além disso, oficinas foram realizadas para ensinar aos moradores técnicas de produção de adobe (terra crua com adição de resíduos da agricultura, como a palha de arroz).
Para os mais jovens foi proposta a possibilidade de atuar como auxiliares de obras. Os auxiliares são estudantes do ensino médio, residentes no assentamento, que auxiliam na relação entre as famílias e assessoria técnica dos pesquisadores. Os auxiliares aprendem sobre a elaboração de projetos técnicos e de planilhas de controle, serviços do canteiro, controle de qualidade da obra e registro das atividades (diário de obras). Espera-se que depois da conclusão das unidades habitacionais estes jovens possam atuar como trabalhadores da construção civil, profissionais autônomos ou participem da criação de empreendimentos coletivos para a construção de moradias. São aproximadamente 10 jovens que ainda estão participando do processo de construção das casas.
|
| Articulação

| Com a implantação de uma marcenaria coletiva está sendo estimulada a geração de trabalho e renda, além da articulação das famílias com reflorestadoras e serrarias locais |
|
Em relação à gestão, um dos desafios das pesquisas foi estimular a articulação das famílias com diferentes agentes envolvidos na cadeia de produção da habitação. Por meio da marcenaria, por exemplo, estão sendo estabelecidas parcerias com reflorestadoras e serrarias locais. Uma das empresas parceiras é a Ripasa Florestal, que tem florestas plantadas em áreas vizinhas ao assentamento e doou toras de eucalipto. A gestão do processo de construção em sistema de mutirão é outro desafio. De acordo com os pesquisadores, uma das especificidades de um mutirão em assentamento rural está na localização dos lotes, que muitas vezes ficam a uma longa distância. No caso da Fazenda Pirituba, há uma distância máxima de 10km, mas esta é uma das questões que torna o mutirão mais complexo, exigindo logística de transporte e armazenamento de materiais.
A perspectiva dos pesquisadores é incentivar novas formas de gestão das comunidades, por meio de parcerias entre o poder público, organizações não-governamentais, sociedade civil, universidades e iniciativa privada. “O objetivo é estimular a implantação de projetos habitacionais simultâneos a programas de geração de trabalho e renda, a partir dos quais possam ser apontadas alternativas para os problemas econômicos, sociais, políticos e ambientais, contemplando as múltiplas dimensões da sustentabilidade”, explica a professora Akemi Ino.
|
| Produto
Madeira
Em relação ao produto, os projetos têm o objetivo de estimular o desenvolvimento e uso de componentes e sistemas construtivos que utilizem recursos locais, preferencialmente, renováveis. Esquadrias, forros e coberturas estão sendo fabricados a partir de rejeitos de madeira, na marcenaria instalada na agrovila IV da Fazenda Pirituba. Em um projeto de pesquisa anterior, financiado pelo Programa Habitare/Finep, o Grupo Habis/USP já havia estudado a produção de janelas em madeira de reflorestamento. Alguns resultados estão sendo agora aproveitados na marcenaria. Para a cobertura, os componentes são feitos num sistema de laminação pregada de madeira de terceira (rejeito da exportação de cercas) montado junto com o forro, também de terceira. Da marcenaria, os componentes vão direto para o canteiro de obras, diminuindo o resíduo e encurtando o tempo de execução. As madeiras de terceira são adquiridas a um preço menor, graças às parcerias estabelecidas com as serrarias. Processos de secagem, resistência ao fogo, tratamento e processamento da madeira também são temas das pesquisas.
|
| Adobe

| A família do senhor Camilo foi a única que aceitou experimentar os blocos de terra crua com adição de fibras vegetais e resíduos da agricultura, como a palha |
|
Em relação a novos produtos, outra possibilidade apresentada aos moradores foi a construção das casas com blocos de adobe (terra crua com adição de fibras vegetais e resíduos da agricultura, como a palha). No entanto, a rejeição aos blocos foi forte. As justificativas incluíram a necessidade de muito tempo de produção, falta de insumos e equipamentos adequados, necessidade de esforço físico para fabricação e baixa de motivação das famílias para a produção dos blocos. Muitas pessoas argumentaram que seriam necessários mais de quatro mil tijolos e que muitas preferiam ficar sem casa, diante da dificuldade e do tempo gasto para produzir o adobe. Apesar dos conflitos, uma família aceitou construir sua casa com os blocos de terra crua.
|
| Perspectivas
As pesquisas vêm avaliando, na prática, a geração de trabalho e renda em atividades cooperativas e solidárias ligadas à cadeia de produção da habitação rural. Para os pesquisadores, o processo de maior participação das famílias assentadas pode aumentar as possibilidades de experimentação de componentes e de processos de produção que considerem as potencialidades regionais. Uma das observações da equipe é que a experiência com o Grupão PSH-Pirituba indica a complexidade da produção da habitação em regime de mutirão. Em especial se entre os objetivos estiver o estímulo à autogestão, à formação e capacitação dos moradores para geração de trabalho e renda. Mas a expectativa é de que os resultados do projeto possam servir como referências para elaboração de diretrizes de políticas públicas para habitação rural. A socialização dos conhecimentos será feita por meio de vídeos e manuais educativos, artigos técnicos e científicos. O conhecimento gerado também está sendo repassado a instituições públicas, na forma de assessoria. Além disso, os projetos estão colaborando com a capacitação dos moradores do assentamento, de técnicos, profissionais da cadeia produtiva, professores e estudantes que participam das pesquisas.
|
|
|
|
|
|
|
 |